Akira Kurosawa é uma personagem singular no Cinema Oriental, porque a sua obra, com óbvia focagem no oriente, principalmente pelo uso de atores nipónicos, não pretere o sentido de interpretação objetivo, que as Obras-Primas possuem, o seu valor nunca é espartilhado por convenções, costumes e leituras limitadas ao País de origem e aí reside o verdadeiro sucesso de RAN, uma Obra Oriental, datada de 1985, cuja História é Ocidental (Rei Lear de Shakespeare). Este filme não e um "Herói", ou um "House of The Flying Daggers", muito bons, mas de difícil aproximação por um ocidental, principalmente pelos pequenos pormenores de Mitologia Oriental e propensão para a Fantasia, é antes a transposição (palimpsesto cinematográfico?) de uma História, para um espaço Oriental, conferindo o mesmo desfecho em torno do drama da Vingança, no seio de uma família até à pouco una.
O Rei Lear aqui, é um Samurai Mor detentor de largas conquistas, custeada por muitas mortes e Reinos debelados, as filhas do Rei Lear, aqui são três filhos, dois de digna obediência resultante do cego desejo de ocupar o cargo do pai, o mais novo, rebelde e antecipando a hipócrita obediência dos irmãos mais velhos, pretere este desejo e recusa as posses administrativas que o Pai confere aos filhos, temendo que o poder corrompa as ligações familiares; o Pai, vê nesta recusa uma afronta e condena ao degredo o filho mais novo.
O cerne do filme roda em torno do controlo dos reinos, "Herdados" de um pai Vivo, mas há uma presença conjugada no feminino, avessa à moral que realmente coloca em segundo plano toda a luta pelos reinos, a mulher do filho mais Velho, tem a interpretação mais sublime, que descreve em passos largos que a mulher, é muito mais cruel do que qualquer homem, e vê-la cândida a passear de forma muda pelos aposentos, como se voasse assessorada pelas suas saias, e depois, usando uma mascara chorosa perante um Homem, tentando suscitar a sua pena e obediência, enquanto de forma recôndita esmaga uma barata para seu belo prazer e recriação, arte da simulação e objetivo pretendido, é esta denúncia da nossa amoralidade que RAN coloca a descoberto, o Mundo visto por dentro e tudo o que se esbate, pode ir até à desagregação de uma família.
Poderia referir também as cenas de batalha autênticas na medida em que não foram usados efeitos digitais, os cenários desérticos e de beleza indescritível, a maneira como som, fundo e voz se fundo com sentido de pertença, a expressão facial do Pai destroçado pelas filhos e o reencontro com os seus fantasmas de guerra, mas tudo isto seria parcelar uma coisa que só funciona no seu conjunto, e como todo o bom filme, RAN não poderá ter um final feliz e citando uma passagem do dito:
"O Homem nasce a Chorar, Quando Morre, apenas morre."
Akira Kurosawa prova que o final da vida, não é sinónimo de estagnação criativa, e quando se lê várias críticas, a apontar este filme como um dos melhores 10 de sempre, não podemos deixar de ignorar um filme que tem 20 anos simplesmente não o vendo, eu não o fiz.
"Uma série de acontecimentos Humanos Vistos dos Céus"
Akira Kurosawa